Região Metropolitana de BH registra áreas nobres de risco


Maratona por condomínios revela o perigo de determinadas construções


MAURÍCIO DE SOUZA
área_risco
Vila Castela I: mansões erguidas em terreno de alto declive, com solo exposto


Engana-se quem pensa que áreas de risco só se encontram em regiões carentes, como vilas e favelas. Construções imponentes como as que “brotam” em condomínios de luxo e áreas nobres de Belo Horizonte e Região Metropolitana, na avaliação de especialistas, também podem sofrer com  deslizamentos e solapamentos.

“É preciso atentar não apenas para a condição do lote, mas, sim, para toda a área em volta na hora de se construir. O sistema geológico é dinâmico”, alerta a professora da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernanda Borges de Moraes. A especialista acompanhou a reportagem do HOJE EM DIA em uma maratona por condomínios de luxo localizados em Nova Lima, como Estâncias Serrana, Vila Castela, Vila Alpina, Vale do Sereno, e outras áreas nobres de BH, constatando o perigo de determinadas construções.

A arquiteta destaca que certas áreas de Belo Horizonte (como o Bairro Mangabeiras), de Nova Lima e de Ouro Preto têm predominância de um solo conhecido como filito - produto de alteração de xisto, muito comum na região do Quadrilátero Ferrífero. De acordo com o geólogo do Instituo de Geociências (IGC), Friedrich Renger, o filito, em contato com a água, vira argila, tornando o solo impróprio para construções.

“A composição do solo do Bairro Mangabeiras é a mesma do Santo Antônio, por exemplo. A solução é uma drenagem bem feita e que deverá ser sempre vistoriada, pois, com o tempo, pode entupir com grandes chances de virar argila”, pontua o geólogo.

Muitas áreas nobres “são solos frágeis e de alta declividade. O custo de fundação é caro, mas o risco permanece em função da região em que se encontram”, garante a professora da UFMG. O problema, que é agravado com o desmatamento, que tira a estabilidade da vegetação (de fundamental importância para segurar o solo), é nítido em determinadas construções de luxo.

No Vila Castela I, por exemplo, duas mansões foram construídas em terreno de alto declive cujo o solo se encontra totalmente exposto. “São construções que podem ter a fundação bem feita, com alta tecnologia, mas não deixam de correr o risco em função do solo”, pontua Fernanda Moraes. Ela ressalta que, muitas vezes, a obra está tecnicamente correta do ponto de vista arquitetônico e de engenharia, uma vez que não mexem praticamente nada no solo, mas a localização (que geralmente é privilegiada pela vista) não é apropriada.

A arquiteta aponta como exemplo uma residência no Vila Serrana, construída com toda técnica e perícia, principalmente do ponto de vista arquitetônico: “Uma obra que não mexeu no solo, tem fundação bastante firme, mas está em frente a uma encosta que, se deslizar (e isso pode acontecer tanto em época de chuva como de seca), pode vir a prejudicar a edificação”, alerta Fernanda Moraes.

A arquiteta lembra ainda que no Vila Castela II, que teve o projeto de construção embargado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), duas estradas foram abertas, ambas localizadas em terreno de alto declive. O solo, com as chuvas constantes de dezembro e janeiro, desceu, formando lama na parte de baixo. Situação que pode se agravar com o barranco descendo mais ainda e prejudicando outras construções na proximidade.

“Certas áreas deveriam ser isoladas, mas o Poder Público legisla por lote e não por região. É o grande erro. O problema, muitas vezes, não vai surgir em 10 ou 20 anos, mas também não é eliminado. O tempo geológico é diferente do tempo do homem. Um filete de água que encontra espaço para entrar pelo terreno pode causar uma catástrofe, com o passar dos anos”, adverte a especialista em arquitetura.


Bairros como o São Bento, Santa Lúcia, Luxemburgo e Belvedere também não escapam da insistência de se construir em terrenos de alta declividade. No Santa Lúcia, próximo à barragem, um muro de arrimo foi construído em terreno praticamente vertical para sustentar e proteger um prédio. Mas, ao lado, um terreno vazio já mostra sinais claros de erosão. “O muro pode sofrer a ação geológica do solo vindo a cair sobre o prédio que se encontra embaixo”, alerta Fernanda Moraes.


O que algumas pessoas não sabem, também, é que o Bairro São Bento tem uma série de aterros e não se pode sair construindo nestes terrenos, enfatiza a especialista. “É preciso uma fundação de edifício para se construir uma casa no Bairro São Bento. A lógica da construção, na atualidade, aponta para casas cada vez maiores sem contato direto com o solo. Costumo dizer que ficam parecendo um paliteiro”, diz Fernanda.

Esses “paliteiros” são facilmente visíveis não apenas em condomínios de Nova Lima, mas também em bairros nobres da capital, marcados pela declividade dos terrenos.


Para Fernanda, o processo de ocupação de determinas áreas precisa ser repensado. Não é “inventar” o processo urbano, mas ter construções que não vão alterar a geologia da região. “Se a região do Belvedere, por exemplo, continuar submetida a um processo de verticalização, muitas áreas estarão comprometidas”, adverte a especialista.

Na opinião de Renger, o que falta, hoje, é a chamada engenharia geotécnica, que vai observar os problemas antes de se construir. “O ideal é a obra de engenharia que pense nas chuvas centenares ou milenares , ou seja, que acontecem a cada 100 ou mil anos. Mas isso acaba esbarrando no custo benefício”, diz o geólogo.

Para o geólogo e consultor em geologia urbana, Edézio Teixeira, em regiões de relevo montanhoso, como as que se encontram em Belo Horizonte e Nova Lima, é importante nunca abrir mão do conhecimento geológico. “Não existe uma receita de bolo. É preciso ter responsabilidade técnica e gastar mais com os estudos que envolvem a região onde se pretende construir ” salienta.

Prédio do Bonfim

Os moradores do prédio da Rua José Ildeu Gramicelli, no Bairro Bonfim, aguardam neste sábado (9) a visita de um geólogo para examinar o barranco que desabou na quarta-feira (6) sobre um galpão, provocando a interdição de 12 apartamentos. Ele, juntamente com um engenheiro irá elaborar um laudo se houve comprometimento da estrutura do prédio.

1 comentários:

Arquiteta Sirlene Cristina disse...

Gostaria de parabenizar a repórter Jaqueline da Mata pela iniciativa de levantar um tema tão importante como é a construção em terrenos de alta declividade. Trabalhei em uma reforma no Condomínio Vila Castela e tive a oportunidade de conhecer a realidade da região. Representantes do condomínio estão cientes da importância da mata na região e não foi uma iniciativa da prefeitura embargar as duas estradas do Vila Castela, mas sim dos próprios moradores que entraram com o pedido na prefeitura. Também com a experiência que tive em construir no condomínio posso dizer que os moradores são cientes da grande responsabilidade de se construir na área e que sempre consultam especialistas como engenheiros estruturais que possuem grande conhecimento em construções com solos instáveis. Para finalizar concordo plenamente com o termo "paliteiros", é impressionante um arquiteto contemplar apenas a fachada de uma edificação e achar que esconde a parte posterior, basta fazer um tour pela região de belo horizonte e redondezas que encontramos vários absurdos, vamos usar mais a criatividade e pesquisar melhor a forma.

Sirlene Cristina
Arquiteta e Urbanista
www.arqsi.com.br

Postar um comentário