Áreas de risco, geologia e urbanismo

Por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos

Os graves e recorrentes problemas de ordem geológico-geotécnica que têm vitimado milhares de brasileiros, como processos de erosão/assoreamento/enchentes, acidentes associados a deslizamentos de taludes e encostas, produção maciça de áreas de risco, têm tido sua principal origem na incompatibilidade entre as técnicas de ocupação urbana e as características geológicas e geotécnicas dos terrenos onde são implantadas.Ou são ocupados terrenos que por sua alta instabilidade geológica natural não deveriam nunca ser ocupados, ou são inadequadamente ocupadas áreas de até baixo risco natural, perfeitamente passíveis de receber a ocupação urbana, com o que, mesmo nessas condições naturais mais favoráveis, são geradas situações de alto risco geotécnico.

O fato é que não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente adequada à ocupação de terrenos com acentuada declividade. Isso se verifica tanto nas formas espontâneas utilizadas pela própria população de baixa renda na auto-construção de suas moradias, como também em projetos privados ou públicos de maior porte que contam com o suporte técnico de arquitetos e urbanistas e têm, apesar do erro básico e grave de concepção, sua implantação autorizada pelos órgãos municipais responsáveis para tanto.

Em ambos os casos, ou seja, no empirismo popular e nos projetos mais elaborados, prevalece infelizmente a cultura técnica da área plana. Isto é, através de cortes e aterros obtidos por operações de terraplenagem obsessivamente se produzem os platôs planos sobre os quais irá ser edificado o empreendimento. Esse tem sido o cacoete técnico que está invariavelmente presente na maciça produção de áreas de risco nas cidades brasileiras que, de alguma forma, crescem sobre relevos mais acidentados.

É imperiosa a necessidade do urbanismo brasileiro incorporar em sua teoria e sua prática os cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova cultura automaticamente levaria a uma mais estreita colaboração entre Arquitetura, Geologia e Geotecnia. Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura e ao urbanismo brasileiros: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, ao invés de, burocraticamente e comodamente, pretender adequar a Natureza a seus projetos.

Sobre o limite máximo de declividade compatível com a ocupação urbana, podemos assumir uma extensão legal da Lei Lehmann. Essa lei, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano no território nacional, em seu Artigo 3º, item III, proíbe a ocupação urbana de encostas com declividade igual ou superior a 30% (~16,5º), abrindo exceção para situações onde são atendidas exigências específicas das autoridades competentes. Poderíamos imaginar um aperfeiçoamento dessa legislação, retirando a estranha exceção e estendendo o limite superior da declividade permitida para 35% (~20º), uma vez atendidos obrigatoriamente certos conceitos básicos de arranjo urbanístico e técnicas construtivas.

Podemos assim entender os conceitos básicos que devem reger a ocupação urbana de encostas com declividade até 35%:
 - prescindir de cortes e aterros superiores a 1 (um) metro de altura;
- lotes com a maior extensão paralela às curvas de nível;
- evitar ruas a nível e privilegiar ruas em ladeira;
- proibição de fossas de infiltração;
- execução do sistema de drenagem superficial, da pavimentação urbana e das proteções contra a erosão concomitantemente à implantação do loteamento.

A seguir são reproduzidos alguns modelos de concepções urbanísticas e técnicas construtivas aderentes a esses conceitos básicos, os quais deveriam ser adotados pelos municípios como referências para a aprovação da ocupação urbana de suas áreas com declividade até 35%.





Casas justapostas em rua em ladeira com minimização do corte necessário. Lotes com maior dimensão paralela às curvas de nível.


Laje de piso lançada sobre pilotis como expediente para se evitar cortes e aterros (Manual de Ocupação de Encostas do IPT)


Fonte: IBDA

Arquiteto propõe mudanças no projeto Minha Casa, Minha Vida

O CLÍNICO GERAL DA ARQUITETUTA


MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO


Só após a tragédia na região serrana do Rio, com um saldo de mais de 900 mortos pelas chuvas, é que o programa Minha Casa, Minha Vida resolveu convidar um arquiteto para pensar as construções em encostas. A presidente Dilma Rousseff chamou João Filgueiras Lima.
"O Brasil é cheio de favelas penduradas em encostas e a Caixa não tem proposta para isso", diz Lelé, o apelido pelo qual ainda é chamado, aos 79 anos, em tributo a um meia direita do Vasco da Gama que brilhou na década de 40.
Não tinha proposta --porque agora tem, feita pelo próprio Lelé, o mais famoso arquiteto de hospitais do país, criador de dez unidades da Rede Sarah.

Divulgação
Obra de João Filgueiras Lima, que terá trabalho reunido no livro em "A Arquitetura de Lelé: Fábrica e Invenção"
Obra de João Filgueiras Lima, que terá trabalho reunido no livro em "A Arquitetura de Lelé: Fábrica e Invenção"
Ter sido convidado pela Presidência não transformou Lelé em adulador. Ele chama o programa Minha Casa, Minha Vida de "porcaria".
"São horríveis, uma coisa pavorosa", diz sobre o programa criado pelo então presidente Lula em 2009 com a meta de construir 1 milhão de moradias. "O problema não é só de forma. A proposta de construção é horrorosa".
Lelé sabe do que está falando. É o maior especialista em obras com pré-fabricados, segundo Oscar Niemeyer. Sua experiência com construções mais industrializadas começou em 1957, durante a construção de Brasília, como conta no livro "A Arquitetura de Lelé: Fábrica e Invenção", que será lançado na terça no Museu da Casa Brasileira.
Foi na Rede Sarah de hospitais, voltada para problemas do aparelho locomotor, que Lelé transformou os pré-fabricados em estado de arte. Uniu funcionalidade, invenção e baixo custo, como diz o antropólogo Antonio Risério.
CONHECIMENTO
A qualidade estética dos hospitais não era o único susto. O preço de algumas obras era a metade de um similar feito por empreiteira, segundo Lelé. Em entrevista à Folha, feita por telefone, ele diz que não é só o uso de pré-fabricado que derruba o preço da obra --é o conhecimento sobre as funções do prédio.
O arquiteto conta que aprendeu tanto sobre medicina que é capaz de ler raio-X e considera-se o melhor médico dos dois males que enfrenta: um câncer de próstata e problemas cardíacos. "É óbvio que tenho cardiologista e oncologista. Mas quem dirige o tratamento sou eu."
Ele não faz, porém, uma defesa da especialização: "Arquiteto, por princípio, deve ser um clínico geral. Até pode se especializar, mas não pode perder a capacidade de integrar tudo".
Há dois anos Lelé criou em Salvador o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat. Será uma fábrica de pré-fabricados para uso em obras públicas.
Foi o instituto que criou o projeto para encostas para o programa Minha Casa, Minha Vida --casas de dois andares sobre estacas, com um bondinho sobre trilhos para levar os moradores morro acima.
Ele diz ter uma proposta para os dois fatores mais críticos do programa: a baixa qualidade e o custo.
"A construção civil é a coisa mais retrógrada do mundo. Se se quer construir no Brasil inteiro, impõem-se a industrialização e a qualidade. Isso só se consegue com tecnologia."
Outro problema, de acordo com ele, são as normas da Caixa: "O programa da Caixa é tão restritivo que você acaba fazendo aquela porcaria. É preciso dar espaço para o sujeito criar".

A ARQUITETURA DE LELÉ: FÁBRICA E INVENÇÃO
ORGANIZADORES Max Risselada e Giancarlo Latorraca
EDITORA Museu da Casa Brasileira e Imprensa Oficial
UANTO R$ 120 (244 págs.)
LANÇAMENTO dia 24, a partir das 19h, no Museu da Casa Brasileira (av. Faria Lima, 2.705; tel. 0/xx/ 11/3032-3727)